Wednesday, August 20, 2014

A Expulsão de Estrangeiro e o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente

As situações que possibilitam a expulsão de estrangeiro do território brasileiro encontram-se definidas e elencadas no artigo 65 da Lei n.º 6.815, de 19/08/2014. Dispõe este artigo o seguinte:

“É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.
Parágrafo único. É passível, também, de expulsão o estrangeiro que:
a) praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil;
b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo aconselhável a deportação;
c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou
d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro.”

Paralelamente, o artigo 75 da mesma Lei estabelece alguns pressupostos negativos à expulsão, ou seja, prevê situações em que, não obstante a verificação de alguma das causas de expulsão previstas no artigo 65, a mesma não pode ocorrer. Dispõe este artigo da seguinte forma:

“Não se procederá à expulsão:
I – se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; ou
II – quando o estrangeiro tiver:
a) cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou
b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.
§ 1.º Não constituem impedimento à expulsão a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que a motivar.
§ 2.º Verificados o abandono do filho, o divórcio ou a separação, de fato ou de direito, a expulsão poderá efetivar-se a qualquer tempo.”

Assim, nos termos do disposto no citado artigo, constitui, nomeadamente, obstáculo à expulsão de estrangeiro do território brasileiro a existência de filho do mesmo que comprovadamente esteja sob a sua guarda e dele dependa economicamente, desde que a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro não sejam supervenientes ao facto que motivar a expulsão.

Sucede, contudo, que o regime legal da expulsão de estrangeiro, sempre que o expulsando tenha filho menor brasileiro, tem que ser conjugado com as normas e princípios referentes à criança e ao adolescente, mormente no que concerne ao princípio do melhor interesse da criança consagrado no artigo 227, caput, da Constituição Federal, nos seguintes termos:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Tal regra encontra-se também inserida no artigo 4.º, caput, da Lei n.º 8.069, de 13/07/90, cujo parágrafo único densifica a garantia da prioridade da seguinte forma:

“A garantia da prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e juventude.”

Por consequência, para o que agora releva, a decisão de expulsão, cujo processo se encontra regulado nos artigos 100 a 109 do Decreto n.º 86.715, de 10/12/81, não pode deixar de considerar um eventual resultado de desprotecção do filho menor do estrangeiro, ainda que registado após o facto que constitui a causa de expulsão, devendo, como tal, proceder-se a um juízo de prognose relativamente a tal possibilidade num cenário de ausência do progenitor.

Tem sido esse o entendimento seguido pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo ilustrativa a seguinte ementa, referente ao acórdão proferido no âmbito do HC289637:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. . EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO DO TERRITÓRIO NACIONAL. CONDENAÇÕES CRIMINAIS. FILHA NASCIDA NO BRASIL APÓS A CONDENAÇÃO PENAL E A EXPEDIÇÃO DO ATO EXPULSÓRIO. ARTIGO 75 DA LEI 6.815/90. CONVIVÊNCIA SÓCIO-AFETIVA E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADAS. OCORRÊNCIA DE HIPÓTESE DE EXCLUSÃO DE EXPULSABILIDADE. ART. 75, II, DA LEI N. 6.815/80. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça flexibilizou a interpretação do art. 65, inciso II, da Lei 6.815/80, para manter no país o estrangeiro que possui filho brasileiro, mesmo que nascido posteriormente à condenação penal e ao decreto expulsório, no afã de tutelar a família, a criança e o adolescente. 2. O acolhimento desse preceito, todavia, não é absoluto e impõe ao impetrante que efetivamente comprove, no momento da impetração, a dependência econômica e a convivência sócio-afetiva com a prole brasileira, a fim de que o melhor interesse do menor seja atendido. 3. Sob esse ângulo, a prova pré-constituída nestes autos ostenta a propriedade de evidenciar, de forma contundente, a convivência sócio-afetiva entre o paciente e a criança e a dependência econômica desta relativamente àquele. <...> Diante disso, ao que tudo indica, o paciente, a sua companheira e a criança convivem juntos sob o mesmo teto e constituem uma família, bem como o paciente contribui para o sustento da menor e participa da vida escolar dela. Dessarte, ressoa evidente estar atendido o melhor interesse da criança (best interest of the child), princípio que o STJ se norteou para conferir temperamentos ao art. 65, inciso II, da Lei 6.815/80. 4. As provas evidenciam estar o paciente abrigado pelas excludentes de expulsabilidade, previstas no inciso II do artigo 75 da Lei n. 6.815/80, razão pela qual a ordem deve ser concedida. Precedentes: HC 157.829/SP, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 14/9/2010; e AgRg no HC 115603/DF, Relator Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJ de 18 de setembro de 2009. 5. Ordem concedida.
(STJ, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 11/06/2014, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO)”

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