Thursday, June 20, 2013

Liberdade de expressão política dos estrangeiros no Brasil no contexto dos recentes acontecimentos contestatários

Na corrente do fenómeno social contestatário que nos últimos dias tem apresentado significativa expressão em diversas cidades brasileiras, têm surgido dúvidas sobre a possibilidade de cidadãos estrangeiros residentes no Brasil intervirem em manifestações ou passeatas e de opinarem sobre o cenário político e social em que os acontecimentos têm lugar.

Entendemos oportuno divulgar o nosso entendimento sobre este assunto, sob uma perspectiva exclusivamente jurídica.

O artigo 107 da Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980, também conhecida como o Estatuto do Estrangeiro, estabelece, efetivamente, algumas limitações aos estrangeiros presentes no Brasil no que concerne ao ativismo político.

Para melhor se entender o âmbito do referido artigo, passamos a citá-lo:

"Art. 107. O estrangeiro admitido no território nacional não pode exercer atividade de natureza política, nem se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do Brasil, sendo-lhe especialmente vedado:
I – organizar, criar ou manter sociedade ou quaisquer entidades de caráter político, ainda que tenham por fim apenas a propaganda ou a difusão, exclusivamente entre compatriotas, de idéias, programas ou normas de ação de partidos políticos do país de origem;
II – exercer ação individual, junto a compatriotas ou não, no sentido de obter, mediante coação ou constrangimento de qualquer natureza, adesão a idéias, programas ou normas de ação de partidos ou facções políticas de qualquer país;
III – organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, ou deles participar, com os fins a que se referem os itens I e II deste artigo.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica ao português beneficiário do Estatuto da Igualdade ao qual tiver sido reconhecido o gozo de direitos políticos.”

Desde logo, podemos facilmente constatar que este artigo não limita diretamente a liberdade de expressão, pelo que a esse nível não subsistem dúvidas de que os estrangeiros no Brasil não estão legalmente cerceados na sua liberdade de expressão, nomeadamente no que concerne à opinião política.

Podemos também ignorar, por ora, os incisos I e II do citado artigo 107, pois não têm relevância no âmbito da presente abordagem.

Resta o inciso III, na medida em que poderá ter alguma aplicabilidade direta à presente situação.

Nos termos do mesmo, conjugado com o caput, é especialmente vedado aos estrangeiros no Brasil organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, ou deles participar, com os fins a que se referem os incisos I e II do mesmo artigo.

Sucede que a parte final do inciso III, ao circunscrever o campo de aplicação da norma por referência às finalidades previstas nos incisos I e II, tem como efeito a redução do respectivo campo de aplicação, não abrangendo, por consequência, a organização ou a participação de desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza quando estes apenas tenham como objetivo a expressão de ideias e de opiniões, ainda que de natureza política.

Maior dificuldade interpretativa apresenta o próprio caput do artigo 107, dada a amplitude da sua abrangência, ao expressamente proibir ao estrangeiro admitido no território brasileiro o exercício de atividade de natureza política e de se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do Brasil.

Com efeito, o conceito de atividade política é de tal forma vasto que dificulta acentuadamente a aplicabilidade da norma, pelo que, tendo em conta a natureza das situações legais especialmente previstas nos incisos I, II e III, e o disposto na Constituição Federal de 1988, entendemos que o caput do artigo 107 da Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980, não pode ser interpretado no sentido de restringir o direito à liberdade de expressão e de participação em manifestações, passeatas ou desfiles de natureza política dos estrangeiros que se encontrem no Brasil.

Com efeito, o artigo 5.º, caput, da Constituição Federal, consagrando o princípio da igualdade ou da isonomia, expressamente dispõe que:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: <...>”

No mesmo artigo 5.º, incisos IV, VII, IX, XVII e LII, estabelece-se, respectivamente, que:

- “é livre a manifestação do pensamento <...>”;

- “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política <...>”;

- “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”;

- “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”;

- “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”;

- “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.

Cabe lembrar que a Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980, é anterior à Constituição Federal de 1988, pelo que nem todas as normas foram recepcionadas pela nova ordem constitucional e muitas delas exigem, para esse efeito, que se proceda a uma interpretação conforme à constituição. É o que ocorre, por exemplo, no que tange às previsões legais limitativas do exercício de determinados direitos por parte de estrangeiros presentes no Brasil.


Concluindo, em síntese e com base no supra explanado, perfilhamos o entendimento de que aos estrangeiros presentes no Brasil, mormente aos residentes, é lícito, por se enquadrar no âmbito de um direito fundamental constitucionalmente consagrado, emitirem publicamente as suas opiniões, ainda que de natureza política, sobre a realidade brasileira, bem como de participarem de manifestações, desfiles ou passeatas, nomeadamente aquelas que têm ocorrido.

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